sábado, 3 de julho de 2010

Lev Tolstói




Felicidade Conjugal

Amar era pouco para mim, depois que eu experimentara a felicidade de apaixonar-me por ele. Eu queria movimento e não uma fluência tranquila da vida. Queria inquietação, perigos e autossacrifício em prol do sentimento.Havia em mim um excesso de força, que não encontrava lugar em nossa vida sossegada.
[...]
Apenas nos momentos de uma ternura quieta, moderada, que havia entre nós, eu tinha a impressão de que algo não estava bem, de que algo me machucava o coração, e parecia-me ler o mesmo nos seus olhos. Eu sentia essa fronteira da ternura que ele agora como que não queria, e que eu não podia transpor. Isso entristecia-me às vezes, mas não havia tempo para se ficar pensando fosse no que fosse, e eu procurava esquecer essa tristeza da mudança confusamente percebida, entregando-me a divertimentos que estavam continuamente à minha disposição.
[...]
Agora, nunca mais ficava à sós comigo mesma e temia pensar na minha situação. Todo o meu tempo, desde tarde da manhã até tarde da noite, estava ocupado e não me pertencia, mesmo que eu não saísse de casa. Isto não me alegrava nem entediava mais, mas dava a impressão de que tudo sempre devia ser assim e não de outra maneira.
[...]
Havia entre nós como que uma ofensa não perdoada, era como se ele me castigasse por algo e fingisse não o perceber. Não havia por que pedir perdão: ele me castigava apenas não se entregando a mim totalmente, não me dando toda a sua alma, como outrora; mas não a entregava a nada nem a ninguém, como se não a tivesse mais. 
[...]
A princípio, eu ficava ofendida com este medo da sinceridade, mais depois habituei-me à ideia de que não era insinceridade, e sim falta de uma necessidade de ser sincero. Agora, a minha língua não se moveria para lhe dizer de repente que o amava, ou para lhe pedir que rezasse comigo umas orações, ou então chamá-lo para ouvir-me tocar piano. Já se podia perceber entre nós determinadas relações de conveniência. Vivíamos cada um no seu lado.
[...]
A partir desse dia, terminou o meu romance com o meu marido; o sentimento antigo tornou-se uma recordação querida, algo impossível de trazer de volta, e o novo sentimento de amor aos filhos e ao pai dos meus filhos deu início a uma nova vida, de uma felicidade completamente diversa, e que ainda não acabei de viver...

2 comentários:

  1. "Sou da opinião de que o 'casamento' convencional não merece tanta ênfase quando acumulou pelo desenvolvimento convencional de sua natureza. A ninguém ocorre a idéia de exigir de um indivíduo que seja 'feliz' - mas, se alguém se casa, todos ficam muito espantados por ele não ser feliz!(E além do mais, não é nem um pouco importante ser feliz, seja como solteiro, seja como casado). Em vários aspectos, o casamento é uma simplificação das condições de vida, e a união decerto soma as forças e vontades de dois jovens, de modo que, em conjunto, eles parecem alcançar mais longe no futuro do que antes. Só que isso são meras impressões, das quais não se pode viver. Antes de tudo o casamento é uma nova tarefa e uma nova seriedade - uma nova demanda e um desafio à força e à bondade de cada participante, e um novo grande perigo para ambos.
    Pelo que sinto, não se trata de no casamento criar uma rápida união pela demolição de todas as fronteiras. Ao contrário, o bom casamento é aquele em que um designa o outro como guardião de sua solidão e lhe demonstra a maior confiança que ele tem a conceder. Uma vida conjunta de duas pessoas é uma impossibilidade e, e ela todavia quando parece existir, é uma limitação, um acordo mútuo, que priva uma parte ou ambas de sua mais plena liberdade e desenvolvimento. Mas, contanto que se reconheça que mesmo entre as mais próximas pessoas subsistem distâncias infinitas, pode se estabelecer entre elas uma coabitação maravilhosa, tão logo consigam amar a vastidão entre elas que lhes dá a possibilidade de se verem um ao outro em sua forma total e diante de um céu imenso!
    Por tal motivo, isso também deve servir como critério para a rejeição ou escolha: a possibilidade de desejar velar pela solidão de outra pessoa e de estar inclinado a colocar esta mesma pessoa nos portões de nossa própria profundidade, da qual ela só tomará conhecimento graças àquilo que emerge da grande escuridão, festivamente trajado".

    r.m.rilke

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  2. 'isso é pra morrer: seis minutos, instantes, acabam a eternidade!
    isso é pra viver: momentos únicos, bem juntos,
    na cama de um quarto de hotel.

    e você me falou de uma casa pequena, com uma varanda, chamando as crianças pra jantar'

    otto - 6 minutos

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