sábado, 15 de janeiro de 2011

Rainer Maria Rilke




Precisos e terrenos é o que, por ora, enquanto estamos aqui e somos aparentados com árvore, flor e solo, devemos continuar a ser no mais puro sentido e o que ainda devemos sempre nos tornar! No que me diz respeito, o que morreu para mim morreu entrando, por assim dizer, em meu próprio coração: a pessoa desaparecida, quando a procuro, recolheu-se de forma tão singular e surpreendente em mim, e foi tão tocante sentir que agora ela existia apenas ali, que meu entusiasmo de servir à sua existência nesse local, de aprofundá-la, glorificá-la impôs-se quase no mesmo instante em que a dor habitualmente teria assaltado e devastado toda a paisagem da alma. Quando me lembro do quanto amava meu pai - amiúde na mais extrema dificuldade de nos entendermos e nos aceitarmos! Na infância meus pensamentos muitas vezes se confundiam, e o coração quase parava com a mera idéia de que ele poderia não mais existir; minha existência parecia tão completamente determinada por ele (minha existência que desde o início teve um desígnio tão diferente!) que sua partida teve para minha natureza mais interna o mesmo significado de meu próprio declínio... mas a morte está tão profundamente cravada na essência do amor (contanto que sejamos apenas cúmplices desse fato sobre a morte, sem nos deixarmos desorientar pelas fealdades e suspeitas atreladas a ela) que não o contradiz em lugar algum: para onde ela poderia deslocar a única coisa que tínhamos levado tão inefavelmente no coração senão para dentro desse coração mesmo, onde estariam a "idéia" desse ser amado, seu efeito incessante (pois como poderia cessar essa influência que, já enquanto vivia a pessoa amada, tinha se tornado cada vez mais independente de sua presença tangível)... onde esse efeito sempre secreto estaria mais seguro senão dentro de nós? Onde poderíamos nos aproximar dele, onde celebrá-lo com mais pureza, quando obedecer-lhe melhor senão quando ocorre em uníssono com nossas próprias vozes, como se nosso coração tivesse aprendido uma nova língua, uma nova música, uma nova força!

3 comentários:

  1. MUSÉE DES BEAUX ARTS

    Acerca do sofrimento, nunca se enganaram
    Os Velhos Mestres: quão bem entenderam
    A condição humana; como está presente
    Enquanto alguém se alimenta ou abre uma janela ou monotonamente segue a caminhar;
    Como, enquanto os velhos esperam apaixonada e reverentemente
    Pelo miraculoso nascimento, deve sempre haver
    Crianças que não queriam especialmente que acontecesse, patinando
    Num lago na orla da floresta:
    Nunca esqueceram
    Que até o mais terrível martírio deve seguir o seu curso,
    Custe o que custar, a um canto, nalgum lugar descuidado
    Onde os canídeos acorrem em suas vidas de cão, e o cavalo do torturador
    Coça seu inocente traseiro por detrás de uma árvore.

    No Ícaro de Brueghel, por exemplo: como tudo se afasta
    Ociosamente do desastre; o lavrador poderá
    Ter ouvido o splash, o grito desamparado,
    Mas para ele não era um importante fracasso; o sol brilhou
    Como soía sobre as pernas brancas que desapareceram na verde
    Água; e o frágil e grandioso navio que deve ter avistado
    Algo espantoso, um rapaz caindo do céu,
    Tinha um destino para ir e afastou-se calmamente.

    W.H. Auden

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  2. Veja, eu penso que agora, quando se espera de você que pela primeira vez sofra a morte na morte de alguém infinitamente próximo, a morte em sua inteireza(de algum modo mais do que a sua própria morte possível), penso que agora é o momento em que você jamais será tão capaz de perceber a realidade do puro segredo que, acredite em mim, não é da morte, mas da vida.
    É imprescindível agora, numa magnanimidade inaudita e inesgotável de dor, assimilar na vida a morte, a morte inteira, que se tornou tangível para você por meio de um ente querido (e você se tornou relacionada a ela), assimilá-la como algo que não deve mais ser rejeitado, negado. Puxe-a para perto de você, essa coisa terrível; represente; enquanto não consegue criar isto, uma familiaridade com ela, não a espante espantando-se com ela (como todas as outras pessoas). Interaja com ela ou, se isso lhe pedir demais, ao menos cale de modo que ela possa vir para bem perto, essa essência da morte sempre afugentada, e se aconchegue junto a você. Pois isso, veja, é o que a morte se tornou entre nós, essa coisa sempre enxotada, que nunca mais pôde dar-se a conhecer. Se a morte, no momento em que nos ofende e abala, encontrasse um indivíduo amistoso (e não tomado de horror), o menor entre nós, com que tipos de confissões ela não se dirigiria - infinitamente - a ele! Um pequeno momento de boa vontade para com ela, uma breve supressão do preconceito, e ela já põe à disposição infinitas confidências, que subjugam nossa idéia de suportá-la em trêmula expectativa.

    r.m.rilke

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  3. http://www.youtube.com/watch?v=GT9_1XR0oEo&feature=related

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