domingo, 1 de dezembro de 2013

Gustav Flaubert




Educação Sentimental

           Viajou.
     Conheceu a melancolia dos paquetes, o frio despertar sob a tenda de campanha, o atordoamento das paisagens e das ruínas, a amargura das simpatias interrompidas.
           Voltou.
        Frequentou a sociedade, e teve novos amores. Mas a permanente lembrança do primeiro tornava-os insípidos; e além disso, a veemência do desejo, a própria flor da sensação, já não existia. Também suas ambições espirituais tinham diminuído. Passaram-se os anos; e suportava a ociosidade da sua inteligência e a inércia do seu coração.
         Em fins de março de 1867, ao cair da noite, estava sozinho em seu gabinete, quando uma mulher entrou.
           - A Senhora Arnoux!
           - Frédéric!
           Ela agarrou-lhe as mãos, puxou-o, docemente até a janela, e olhava-o repetindo:
           - É ele! Sim, é ele!
        Na penumbra do crepúsculo, só lhe via os olhos, debaixo do véu de renda preta que lhe velava o rosto.
          Depois de pousar na borda da lareira uma pequena carteira de veludo cor de vinho, sentou-se. Ambos estavam incapazes de falar, sorrindo um para o outro.
          Finalmente, Frédéric fez-lhe uma série de perguntas sobre ela e sobre o marido. 
          Habitavam nos confins da Bretanha, para viver economicamente e pagar as dívidas. Arnoux, quase sempre doente, parecia agora um velho. A filha estava casada em Bordéus, e o filho num regimento, em Monstagnem. Depois, ela ergueu a cabeça: 
            -Mas torno a vê-lo! Sinto-me feliz!
            [...]
            Então, numa voz trêmula, e com demorados intervalos entre as palavras:
            -Tinha  medo! Sim... medo de você... e de mim!
     Esta revelação fê-lo sentir como que um arrepio de volúpia. O coração batia-lhe apressadamente. Ela continuou:
           - Desculpe por eu não ter vindo antes. [...]
           E falou-lhe do lugar onde morava.
         Era uma casa baixa, de um só pavimento, com um jardim cheio de enormes buxos e uma avenida ladeada de castanheiros que subia até o alto da colina, de onde se via o mar.
           - Vou pra lá, e sento-me num banco, ao qual dei o nome de banco do Frédéric. 
           Ela confessou o desejo de dar uma volta, pelo seu braço.
       A luz dos estabelecimentos iluminava-lhe, a intervalos; o perfil pálido; depois, a sombra novamente a envolvia; e, no meio das carruagens, da multidão e do ruído, seguiam sem se distrair de si próprios, sem nada ouvir, como aqueles que caminham juntos no campo, sobre um leito de folhas mortas.
         Contavam um ao outro os dias antigos, os jantares ao tempo da Art Industriel, a sua maneira de esticar as pontas do colarinho, de esmagar cosméticos nos bigodes, e outras coisas mais íntimas e profundas. Que emoção emoção ele sentira ao ouvi-la cantar pela primeira vez! Como ela estava bela, no dia da sua festa, em Saint-Cloud! Lembrou-lhe o jardinzinho de Auteuil, as noites de teatro, um encontro no bulevar, antigos criados, a babá preta. 
          Ela espantava-se da sua memória. Contudo, disse-lhe: 
          - Às vezes, suas palavras voltam-me como um eco longínquo, como som de um sino trazido pelo vento; e  parece-me tê-lo, quando leio passagens de amor nos livros.
     - Tudo o que neles se censura como exagerado, senti-o por você, - disse Frédéric. - Compreendo os Werther, - aos quais não aborrece o pão com a manteiga de Carlota.
          - Pobre amigo querido!
          Suspirou, e, ao fim de longo silêncio:
          - De qualquer modo, amamo-nos muito.
          - Mas não pertencemos um ao outro!
          -Talvez tenha sido melhor assim - disse ela.
          - Não! Não! Que felicidade teria sido a nossa!
          - Oh! Acredito, com um amor como o seu!
          E devia ser bem forte, para ainda durar ao cabo de tão longa separação! 
          Frédéric perguntou-lhe  como tinha descoberto que ele a amava.
          - Foi uma  noite em que me beijou o pulso, entre a luva e o punho. Disse de mim pra mim: "Mas ele ama-me, ele ama-me". Tinha medo de ter certeza, contudo. A sua reserva era tão deliciosa, que eu sentia o prazer de uma homenagem involuntária e contínua.
           Ele nada lamentava. Os sofrimentos de outrora tinha sido pagos.

            
     

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