sábado, 21 de abril de 2018

Leonard Mlodinow




O novo inconsciente

O coração tem razões que a própria razão desconhece.
Blaise Pascal

·               Pode ser difícil distinguir um comportamento voluntário e consciente de outro habitual ou automático. Na verdade, como seres humanos, nossa tendência em acreditar nos comportamentos conscientes e motivados é tão forte que vemos consciência não só no nosso comportamento como também no reino animal. Fazemos isso com nossos bichos de estimação, claro. O fenômeno chama-se de antropomorfismo. (e com os bebês).
·         Os seres humanos também desempenham inúmeros comportamentos automáticos, inconscientes, mas tendem a não perceber isso porque a interação entre nossa mente consciente e inconsciente é muito complexa. Essa complexidade tem raiz na fisiologia do nosso cérebro.  Como mamíferos, possuímos outras camadas de córtex erigidas sobre a base do cérebro reptiliano mais primitivo; e, como homens, temos ainda mais matéria cerebral por cima.  Possuímos uma mente inconsciente e, superposta a ela, um cérebro consciente. Quantos de nossos sentimentos, juízos e comportamentos se devem a cada uma dessas estruturas, isso é muito difícil de saber, pois estamos sempre alternando as duas.
·         A grande questão é até que ponto comportamentos mais complexos e substantivos, com grande potencial de impacto sobre nossa vida, são também automáticos – mesmo quando temos certeza de que são racionais e muito bem avaliados.  De que forma nosso inconsciente afeta nossa atitude em questões como: “Qual casa devo comprar? Que ações devo vender? Será que devo contratar essa pessoa para cuidar do meu filho? Será que esses olhos azuis brilhantes que não consigo deixar de olhar são base suficiente para uma relação de amor duradoura?”
·         As interpretações tornaram-se para ela automáticas, não conscientes. Assim como todos entendemos a linguagem falada sem qualquer aplicação consciente das regras da linguística, minha mãe entendia as mensagens do mundo sem qualquer consciência de que suas experiências anteriores tinham moldado suas expectativas para sempre. Ela nunca reconheceu que sua percepção fora distorcida pelo temor sempre presente de que a qualquer momento a justiça, a normalidade e a lógica deixariam de ter força ou significado.
·         Todos temos nossos pontos de referência implícitos que produzem comportamentos e pensamentos rotineiros. Nossas experiências e ações sempre parecem se basear em raciocínios conscientes [...]. Mas embora possam ser invisíveis, ainda assim essas forças exercem uma forte influência.  [...] A revolução atual na maneira de pensar o inconsciente surgiu porque, com instrumentos modernos, podemos observar como diferentes estruturas e subestruturas no cérebro geram sentimentos e emoções; medir a potência de saída elétrica de neurônios individuais; mapear a atividade neural que forma os pensamentos de uma pessoa. Hoje os cientistas podem mais do que conversar com minha mãe e perscrutar como as experiências a afetaram. Agora eles podem identificar as alterações no cérebro resultantes de experiências traumáticas anteriores, como as dela, e entender como essas experiências provocam alterações físicas em regiões do cérebro sensíveis ao estresse.
·         O comportamento humano é produto de um interminável fluxo de percepções, sentimentos e pensamentos, tanto no plano consciente quanto inconsciente. [...] O novo inconsciente tem um papel muito mais importante do que nos proteger de desejos sexuais impróprios (por nossas mães e pais) ou de memórias dolorosas. Trata-se de um legado da evolução crucial para nossa sobrevivência como espécie. O pensamento consciente é de grande valia para projetar um automóvel ou decifrar as leis matemáticas na natureza, mas só a velocidade e a eficiência do inconsciente podem nos salvar na hora de evitar picadas de cobra, carros que entram no nosso caminho ou pessoas que nos fazem mal. Como veremos, para garantir nosso perfeito funcionamento, tanto no mundo físico quanto no social, a natureza determinou que muitos processos de percepção, memória, atenção, aprendizado e julgamento fossem delegados a estruturas cerebrais separadas da percepção consciente.
·         Todos nós tomamos decisões pessoais, financeiras e de negócios confiantes de que pesamos de forma apropriada todos os fatores importantes e agimos de acordo com eles – e que sabemos como chegamos a essas decisões. Mas conhecemos apenas as nossas influências conscientes, e por isso temos apenas uma visão parcial delas. Como resultado, nossa visão de nós mesmos e de nossas motivações, e da sociedade, é como um quebra-cabeça em que falta a maior parte das peças. Nós preenchemos os espaços em branco e fazemos adivinhações, mas a verdade sobre nós é muito mais complexa e sutil do que aquilo que pode ser entendido como um cálculo direto de mentes conscientes e racionais.
·         Nós percebemos, lembramos nossas experiências, fazemos julgamentos e agimos – mas em todas essas atitudes somos influenciados por fatores dos quais não temos consciência.  A verdade é que nossa mente inconsciente está ativa, é independente e tem propósito. Essa mente pode estar oculta, mas seus efeitos são muito visíveis, pois têm um papel crítico na formação da maneira como nossa mente consciente vivencia e responde ao mundo.

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