segunda-feira, 9 de abril de 2018

Norbert Elias e John L. Scotson


Os Estabelecidos e os Outsiders 
Posfácio à edição alemã 

As figurações estabelecidos e outsiders possuem regularidades e divergências recorrentes. [...] No fundo sempre se trata do fato de que um grupo exclui outro das chances de poder e status, conseguindo monopolizar essas chances. A exclusão pode variar em modo ou grau, pode ser total ou parcial, mais forte ou mais fraca. Também pode ser recíproca.

Trata-se da questão de por que a necessidade de se destacar dos outros homens, e com isso de descobrir neles algo que se possa olhar de cima para baixo, é tão difundida e enraizada que, entre diversas sociedades existentes na face da Terra, não se encontra praticamente nenhuma que não tenha encontrado um meio tradicional de usar uma outra sociedade como sociedade outsider, como uma espécie de bode expiatório de suas próprias faltas. É assim que os holandeses costumam ver os frísios e os ingleses costumam ver os holandeses - a série de exemplos não tem começo nem fim. Ressaltando a universalidade de relações desse tipo, chama-se atenção para um aspecto da estrutura da personalidade humana para a qual ainda não temos uma conceituação apropriada. Talvez possamos falar da necessidade humana, nunca serenada, de elevar a autoestima, de melhorar o valor da própria pessoa ou do próprio grupo. [...]

Numerosos exemplos ensinam que a insolubilidade de um problema tem mais a ver com a imprecisão do modo de colocá-lo do que com a impossibilidade real de achar uma solução. [...] Através de uma pesquisa sobre perda e ganho de valor nas relações estabelecidos-outsiders nos aproximamos de fato da essência do problema.

Mas por que a necessidade de relações estabelecidos-outsiders, portanto de elevar o próprio grupo e diminuir os outros grupos, é tão difundida que quase não podemos imaginar uma sociedade humana que não tenha desenvolvido, em relação a certos grupos, uma técnica de estigmatização? No fim das contas, essas técnicas parecem ter a ver com o sentido da própria sobrevivência. Os grupos humanos vivem na maioria das vezes com medo uns dos outros, e frequentemente sem conseguirem articular ou esclarecer as razões do seu medo. Eles se observam mutuamente, enquanto se tornam mais fracos ou mais fortes. Sempre que possível, tentam evitar que um grupo vizinho alcance um potencial maior do que o próprio. Sejam quais forem as formas assumidas por essas rivalidades, elas não são subprodutos ocasionais, mas traços estruturais das figurações em que se encontram envolvidos. Tais figurações indicam, em meio a grande variação, determinados aspectos em comum. Um deles é o perigo em potencial que os grupos representam para os outros, e com isso o temor que têm uns dos outros. Nessa situação, a promoção de autoestima coletiva fortalece a integração de um grupo, melhorando suas chances de sobrevivência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário