sexta-feira, 13 de julho de 2018

António Damásio



A origem das mentes

Como é que se passa da vida enganosamente simples de quase 4 bilhões de anos atrás até a vida dos últimos cerca de 50 mil anos, a que nutre as mentes culturais humanas? O que podemos dizer sobre a trajetória e os instrumentos que ela usou? Dizer que a genética e a seleção natural são a chave da transformação é pura verdade, mas não basta. Precisamos reconhecer a presença do imperativo homeostático – usado para o bem ou não – como um fator nas pressões seletivas. Precisamos reconhecer o fato de que não houve uma linha de evolução única, nem uma simples progressão na complexidade e eficiência dos organismos, que ocorreram altos e baixos e até extinções. Precisamos ressaltar que foi preciso uma parceria de sistemas nervosos e corpos para gerar mentes humanas, e que mentes surgiram não em organismos isolados, mas em organismos que faziam parte de uma estrutura social. Por fim, precisamos ressaltar o enriquecimento de mentes pelos sentimentos e subjetividade, pela memória baseada em imagens e pela capacidade de encadeá-las em narrativas que provavelmente começaram com sequências não verbais análogas a um filme, mas terminaram, depois do surgimento de linguagens verbais, combinando elementos verbais e não verbais. O enriquecimento veio a incluir a capacidade de inventar e produzir criações inteligentes, um processo que gosto de chamar de “inteligência criativa”, e que está um degrau acima das engenhosidades que permitem a numerosos organismos vivos, inclusive o humano, comportar-se com eficiência, rapidez e êxito na vida cotidiana.  A inteligência criativa foi o meio pelo qual imagens mentais e comportamentos foram combinados intencionalmente para fornecer soluções inovadoras aos problemas que os humanos diagnosticavam, para construir novos mundo para as oportunidades que imaginavam.


Em: A estranha ordem das coisas                                                         Fotografia: James Nachtwey

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