sábado, 28 de julho de 2018

Esther Perel




Você já foi afetado pela infidelidade

A maioria das histórias de infidelidade é bem mais banal do que aquelas que ganham as manchetes: não existe filho, DST, perseguição ao ex-amante com extorsões de dinheiro. [...] São normalmente inúmeros homens e mulheres comprometidos, que partilham histórias e princípios – princípios que em geral incluem a monogamia –, cujas narrativas se desdobram segundo uma trajetória humana mais singela. A solidão, os anos de apatia sexual, o ressentimento, o arrependimento, o desleixo conjugal, a juventude perdida, a atenção almejada, as bebidas além da conta – coisas assim são a essência da infidelidade cotidiana. Muitas dessas pessoas ficam muito confusas quanto à própria conduta.  

Casos extraconjugais têm muito o que nos ensinar sobre relacionamentos. Eles abrem a porta para um exame mais profundo dos valores da natureza humana e do poder do eros; nos forçam a lidar com algumas questões muito inquietantes: o que instiga alguém a cruzar fronteiras estabelecidas com tanto empenho? Por que a traição sexual magoa tanto? Casos são sempre atos egoístas e covardes ou em certas situações podem ser compreensíveis, aceitáveis, até mesmo um gesto audacioso e corajoso? E, conhecendo ou não esse drama, o que podemos aprender com a empolgação da infidelidade para revigorar nossas relações? 
Um amor secreto tem de ser sempre revelado? A paixão tem prazo de validade? Existem satisfações que um casamento, ainda que bom, jamais consegue saciar? Como atingir o equilíbrio entre nossas carências emocionais e nossos desejos eróticos? Será que a monogamia já deixou para trás sua utilidade? O que é fidelidade? Somos capazes de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo?

Para mim, essas conversas são partes fundamentais de qualquer relação adulta, íntima. Para a maioria dos casais, infelizmente, a crise gerada por um caso marca a primeira vez que tais assuntos são debatidos. A catástrofe acaba nos empurrando para a essência das coisas. Recomendo que não se espere a tempestade, mas que se enfrente essas ideias em um clima mais ameno. Falar do que nos leva além da nossa cerca – do medo da perda que acompanha essa atitude – uma atmosfera de confiança pode de fato fomentar a intimidade e o compromisso. Nossos desejos, até os mais ilícitos, são característicos da nossa humanidade.

Por mais tentador que seja resumir os casos a sexo e mentiras, prefiro usar a infidelidade como um portal para a paisagem complexa das relações e dos limites que fixamos para mantê-las. A infidelidade nos põe cara a cara com as forças opostas e voláteis da paixão: a atração, a luxúria, a urgência, o amor e sua impossibilidade, o alívio, a armadilha, a culpa, a mágoa, o pecado, a vigilância, a loucura da desconfiança, o ímpeto homicida de pagar na mesma moeda, o desfecho trágico. Esteja avisado: tratar dessas questões exige disposição para descambar em um labirinto de forças irracionais. O amor é complicado, a infidelidade mais ainda. Mas também é uma janela, como nenhuma outra, para as frestas do coração humano.  


In: Casos e casos - Repensando a infidelidade 
Fotografia: Mary Ellen Mark 

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