quarta-feira, 12 de junho de 2013

Ian McEwan

Amor sem fim (3)

"Tenho de me preparar para sair". Partiu às pressas, deixando a conversa inconclusa. [...]

Deixei-me ficar na cozinha, lavando os pratos, terminando o café e recolhendo as folhas da carta. A espontaneidade do nosso relacionamento, preservada sem nenhum tormento durante anos, subitamente me parecia um engenho complexo, um mecanismo finamente balanceado, como um antigo relógio de carruagem. Estávamos perdendo a capacidade de mantê-lo funcionando, ou de fazer isso sem um enorme esforço de concentração. Todas as vezes que eu falara com Clarissa ultimamente, preocupava-me com as consequências de minhas palavras. [...]

A consciência de si próprio acaba com o erotismo. Na cama, apenas uma hora e meia antes, nós de algum modo não havíamos sido convincentes, como se entre nossas mucosas houvesse se introduzido um fino pó, ou seu equivalente mental, porém tão tangível quanto a areia da praia. Sentado à mesa da cozinha depois da partida de Clarissa, desenvolvi uma melancólica sequência causal que ia do psíquico ao somático - maus pensamentos, pouca excitação, lubrificação mínima - e terminava na dor.

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