quarta-feira, 12 de junho de 2013

Ian McEwan

Amor sem fim (6)

Estávamos deitados em silêncio fazia dez minutos. Ela estava apoiada sobre o lado esquerdo e pensei ouvir os iambos arrastados de sua pulsação em meu travesseiro. Talvez fosse meu próprio ritmo. Era lento, e eu estava certo de que se tornava ainda mais lento. Não havia nenhuma tensão naquele silêncio. Olhávamo-nos diretamente nos olhos e depois nossos olhares passeavam por outras feições do rosto, dos olhos para os lábios, de volta aos olhos. Como se fizéssemos uma longa e demorada rememoração; a cada minuto que passava sem nos falarmos, nossa recuperação ganhava força sem sacrifício da tranquilidade. Sem dúvida, o poder inercial do amor, as horas, semanas e anos passados harmoniosamente em conjunto superavam as circunstâncias do presente. Não é verdade que o amor gera suas próprias reservas? A última coisa que deveríamos fazer agora, pensei, seria nos enredarmos numa troca de explicações pacientes. Na popularização da psicologia, foi dada uma importância exagerada aos benefícios de discutir um relacionamento até os últimos detalhes. Os conflitos, como qualquer organismo vivo, têm uma duração natural. O truque está em saber quando os deixar morrer. No momento errado, as palavras podem agir como descargas elétricas de um desfibrilador. A criatura pode ressuscitar numa forma patogênica, regenerada febrilmente por uma nova formulação interessante, ou por um "novo olhar" mórbido dirigido a esse ou aquele pormenor. Movi a mão e aumentei ligeiramente a pressão de meus dedos no seu braço. Os braços se abriram, o descolamento sensual acentuado por um levíssimo som explosivo. Todo o que precisávamos fazer era nos olharmos e lembrarmos. Fazer amor deixando que o resto se resolvesse por conta própria. Os lábios de Clarissa emolduraram meu nome sem que deles escapasse um som ou mesmo um sopro. Eu não conseguia afastar meu olhos de seus lábios. Tão flexíveis, tão lustrosamente ricos em cores naturais. O batom foi inventado para que as mulheres pudessem exibir uma versão piorada de lábios como aqueles. "Joe...", os lábios disseram de novo. [...]
"Joe..." Dessa vez ela sussurrou meu nome por entre os belos lábios entreabertos, e depois, franzindo a testa e respirando fundo, deu a suas palavras um tom grave e vibrante: "Joe, tudo acabou. É melhor admitirmos isso agora. Acho que está tudo terminado entre nós, não é mesmo?"

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