domingo, 27 de dezembro de 2020

Arnold Hauser

 


O jardim de Nebamun, 1400a.C.




Elementos estáticos e dinâmicos na arte do oriente antigo 


A ruptura [que distingue o paleolítico do neolítico] tinha sido caracterizada pela transição do mero consumo para a produção, do primitivo individualismo para a cooperação, e agora [na transição entre do neolítico para o Oriente antigo] era marcada pelos alvores do comércio e das manufaturas independentes, pela ascensão de cidades e mercados, e pela aglomeração e diferenciação de populações. [...] Na maioria das instituições e costumes do Oriente Antigo, as formas autocráticas de governo, a manutenção parcial de uma economia natural, a impregnação da vida cotidiana por cultos religiosos e a tendência rigorosamente formalista da arte, os costumes e  tradições neolíticos persistiram lado a lado com o novo modo de vida urbano. 

[...]

A mudança decisiva no novo modo de vida é expressa, sobretudo, no fato de que a produção primária deixou de ser a ocupação principal e, historicamente, a mais progressiva, ingressando agora no serviço do comércio e da manufatura. O aumento da riqueza, o acúmulo de solos aráveis e de suprimentos alimentares livremente disponíveis em um número de mãos comparativamente reduzido, criou novas, mais intensivas e mais variadas necessidades de trocas  de produtos e redundou em nova divisão do trabalho. O criador de imagens de espíritos, de deuses e de homens, de utensílios decorativos e de jóias, emerge do meio fechado do lar e torna-se um especialista que faz dessa profissão seu modo de subsistência. Já deixou de ser o inspirado mágico ou o membro expedito do lar para tornar-se artífice que cinzela esculturas, faz pinturas ou modela vasos, tal como outros fabricam machados e sapatos, e não é tido em muito mais alto apreço que o ferreiro ou o sapateiro. A perfeição do trabalho manual, o controle seguro de materiais difíceis e o esmero da execução impecável, que é especialmente notável no Egito, em contraste com a genialidade ou a despreocupação diletante da arte anterior, é resultado da especialização profissional do artista, da vida urbana com a crescente competição entre formação rivais e do treinamento de uma elite experimentado e exigente de conhecedores nos centros culturais da cidade, nos recintos e dos templos e no palácio real. 

A cidade, com a sua concentração de população e os estímulos intelectuais produzidos pelo estreito contato entre os diferentes níveis da sociedade, seu mercado flutuantes e seu espírito antitradicionalista, condicionado pela natureza peculiar do mercado, seu comércio externo e a familiaridade dos mercados com terras e povos estranhos, sua economia monetária, por muito rudimentar que tenha inicialmente sido, e os deslocamentos de riqueza promovidos pela natureza da moeda, teve, inevitavelmente, um efeito revolucionário em todos os setores da vida cultural e contribuiu par ou estilo mais dinâmico e mais individualista na arte, mais livre da influência das formas e tipos tradicionais do que o geometrismo do período neolítico. 


Trecho de História social da Arte e da literatura

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