sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Matthieu Ricard




 O exame do ego


O ego é uma entidade que se localiza no centro do nosso ser ou um centro de controle no cérebro? Mais, é um continuum de experiências que reflete a história da pessoa? [...] O conceito da ego como um regente de orquestra é uma ilusão cômoda para funcionar na vida. Se abandonarmos a crença cega no eu não correremos o risco de nos tornar vulneráveis? Ao contrário, um ego transparente favoreceria a coragem e a confiança interior? 

[...]

Sabemos que o corpo e a mente estão em constante transformação. Deixamos de ser crianças irrequietas e aos poucos envelhecemos. Nossa experiencia se transforma e se enriquece a todo momento. E, no entanto, pensamos que existe algo no meio desse conjunto que nos define agora e que nos definiu durante toda a nossa vida. Nós nos referimos a ele chamando-o de “ego”, “self” ou “eu”. Não contentes em ser um continuum único de experiências, julgamos que no centro desse fluxo mora uma entidade singular e distinta: nosso verdadeiro “ego”, algo que viaja ao longo do rio de nossa experiência. 

Quando acreditamos que existe essa entidade, com a qual nos identificamos, procuramos protegê-la e tememos que ela desapareça. Esse forte apego à ideia de um ego gera as ideias de “posse”: “meu” corpo, “meu” nome, “minha” mente, “meus” amigos etc. 

Não conseguimos deixar de imaginar esse ser como uma entidade distinta e singular e, embora nosso corpo e nossa mente sofram transformações contínuas, teimamos em lhe atribuir características de permanência e singularidade e de autonomia. Paradoxalmente, essa criança tem como resultado o aumento da nossa vulnerabilidade e não o desenvolvimento de uma confiança autêntica. Na verdade, ao presumir que o ego é uma entidade autônoma, diferente e única, entramos numa contradição básica com a realidade. Nossa vida é regida essencialmente por relações de interdependência. Sem dúvida, nossa própria felicidade é importante, mas ela só pode existir por meio e ao lado da felicidade dos outros. Além disso, o ego se torna o alvo permanente do ganho e da perda, do prazer e da dor, do elogio e da crítica etc. Temos a sensação de que é preciso proteger e satisfazer esse ego custe o que custar. Sentimos repulsa com relação a tudo que o ameaça e atração por tudo que lhe é agradável e o fortalece. Esses dois impulsos básicos, de atração e de rejeição, dão origem a uma miríade de emoções conflituosas: raiva, ganância, arrogância, ciúme, que, afinal, geram sempre sofrimento.  


Trecho de Cérebro e Meditação 

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