terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Arnold Hauser

 

“O escriba”


Culturas urbanas do Oriente antigo: O estereótipo artístico no médio império 


“O conservantismo e o convencionalismo são atípicos das características raciais do povo egípcio, as quais são antes um fenômeno historicamente condicionado que se modifica à medida que evolui a situação como um todo. Nos relevos da última época pré-dinástica e da primeira época dinástica, prevalece uma liberdade de forma e composição que se perde mais tarde e somente voltará a ser readquirida na esteira de uma vasta revolução cultural.  [...] Talvez nunca mais tenha existido tanta liberdade e espontaneidade na arte egípcia quanto nesse estágio inicial de desenvolvimento. As condições especiais de vida na nova civilização urbana, as relações sociais diferenciadas, a especialização dos ofícios manuais e a emancipação do comércio contribuíram mais diretamente para a propagação do individualismo do que ocorreria mais tarde, quando essa influência foi obstruída e, com frequência, frustrada pelas forças que lutavam pela manutenção de sua própria autoridade. Só com o início do Médio império, quando a aristocracia feudal guinou-se ao primeiro plano, com sua consciência de classe fortemente acentuada, é que se desenvolveram as rígidas convenções da arte religiosa e palaciana, as quais suprimiram o surgimento posterior de quaisquer formas espontâneas de expressão. O estilo estereotipado das representações ligadas ao culto era bem conhecido desde os tempos neolíticos, mas as rígidas formas cerimoniais da arte palaciana são absolutamente novas e aí ganharam proeminência pela primeira vez na história da cultura humana. Refletem  o domínio de uma ordem social superior, supra-individual, de um mundo que deve sua grandeza e esplendo aos favores do rei. São formas antiindividualistas, estáticas, convencionais, porque expressam uma concepção de vida para a qual a descendência, a classe ou o vínculo a um clã ou grupo representa um grau de realidade mais elevado do que o caráter pessoal de um indivíduo; e por isso as regras abstratas de conduta e o código moral estão em evidência muito mais direta do que tudo aquilo que os indivíduos possam sentir, pensar ou querer. Todas as boas coisas e encontros da vida estão ligados, para os membros privilegiados dessa sociedade, à sua separação das outras classes, e todas as máximas a que eles obedecem assumem mais ou menos o caráter de regras de decoro e etiqueta.


Trecho de História social da Arte e da literatura

Nenhum comentário:

Postar um comentário